
Gastando tempo antes que o mundo acabe
O mundo vai acabar. Melhor dizendo, o planeta pode até continuar a existir, mas a vida como a conhecemos certamente vai acabar.
Muitas já foram as ameaças: bombas atômicas, aquecimento global, superbactérias. Se tivermos sorte (ou bom senso), sobreviveremos a tudo isso. Mas ninguém sobrevive à extinção do Sol.
Astrônomos calculam que o astro rei dure mais uns 5 ou 6 bilhões de anos. Estima-se que ele vá ficar cada vez mais brilhante, elevando a temperatura da Terra a ponto de ferver oceanos. Então sinfonias, arranha-céus, parques de diversões, tratados filosóficos, lojas de departamentos, enfim, tudo que a humanidade criou para deixar sua marca, tudo mesmo, sumirá.
Quando qualquer possibilidade de existência por aqui tiver evaporado, o núcleo solar queimará o restante de hidrogênio que lhe dá energia, iniciando um processo de colapso. O legítimo apagar das luzes.
Talvez as gerações futuras desenvolvam tecnologias para se safar do desfecho fatídico. Viagens interplanetárias, colonização de outras galáxias, sei lá. Com o conhecimento científico atual, a possibilidade é remota. Melhor aceitaro fim.
Mas isso é conversa para daqui a milênios. Nossa finitude, a minha e a sua, é de uma proporção infinitamente menor. Difícil alguém que lê esta coluna estar vivo em, digamos, 70 anos. Nossa passagem pelo planeta é um sopro.
Algumas pessoas diriam se tratar de um milagre, com ou sem conotação religiosa. Um pedaço de rocha, flutuando no Espaço, calhou de estar à distância perfeita de uma estrela, tirando dali luz e calor em condições ideais para gerar vida, no intervalo de tempo exato antes que a tal estrela se extinga.
Transcorridas as eras, dentre variados processos evolutivos, vingou uma espécie de primata, que migrou pelos continentes e constituiu núcleos familiares. Após sucessivos cruzamentos entre os descendentes desses animais, um espermatozoide fecundou um óvulo e, meses depois, você nasceu. Um breve instante na história do Universo – e que jamais se repetirá.
Dá para perceber o quão inacreditável é estar aí, interpretando caracteres na tela de uma máquina e refletindo sobre algo que um humilde colunista escreveu? Não é incrível perceber a vida pulsando em suas veias, enquanto lá fora só há asteroides, astros incandescentes e territórios inabitáveis?
Nossa vida é muito rara. Passa ligeiro. Portanto, nada mais justo que aproveitar os poucos dias à frente.
Há incontáveis atividades que os humanos inventaram para tornar sua estada no planeta azul mais aprazível. Fazer trilha no meio do mato. Ler um livro. Cantar no karaokê. Abraçar a pessoa amada. Viajar. Preparar uma janta gostosa. Tomar chimarrão sob a sombra de uma árvore. Jogar canastra. Assistir a uma série. Cultivar uma horta. Aprender uma língua estrangeira. Adestrar um cão.
Com tantas opções para investir seu precioso tempo, é sério que você prefere bater boca com desconhecidos na internet?
Por Rafael Tourinho Raymundo
Jornalista e Dr. em Ciências da Comunicação, de Taquara
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