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No aniversário de Três Coroas, município celebra protagonismo no turismo acessível e legado de inclusão

Cidade Verde transforma o turismo de aventura ao colocar pessoas com deficiência no centro da experiência
Camping Acessível promove experiências radicais e inclusão para cadeirantes, autistas e pessoas com deficiência visual ou intelectual (Foto: Camping Acessível/Divulgação)

Num mundo que não costuma ser muito receptivo com as pessoas com deficiência, Três Coroas resolveu remar contra a corrente.

O município completa 66 anos neste 12 de maio com algo a mais do que sua tradicional vocação para o turismo convencional e o contato com a exuberante natureza ao pé da serra. A assim chamada “Cidade Verde” do Vale do Paranhana celebra também um novo papel no cenário nacional: a de querer se posicionar como protagonista na construção de um turismo acessível, inclusivo e pioneiro no Brasil.

O marco dessa transformação tem nome e data: Camping Acessível, evento realizado em março no Raft Adventure Park, que reuniu mais de mil pessoas com deficiência em dois dias de atividades esportivas, lazer ao ar livre e debates sobre inclusão. A sexta edição do encontro consolidou a ação como a maior do país em turismo de aventura adaptado, com destaque para a histórica descida de rafting no Rio Paranhana, a maior já realizada no Brasil, com mais de 240 participantes distribuídos em 35 botes.

Para Gabriel Feiten, vice-presidente da Associação de Pessoas com Deficiência, Amigos e Familiares (APDAF), o impacto vai além do recorde. “Foi um marco histórico. A gente se sentiu muito lisonjeado de ter essa abrangência de tantas pessoas ao mesmo tempo fazendo rafting”, conta. “A operação foi complexa, mas tivemos apoio das empresas da região e voluntários engajados. Já quebramos o recorde brasileiro, e agora estamos mirando mais alto. Quem sabe a maior descida acessível do mundo”.

(Foto: André Amaral/Rádio Taquara)

A iniciativa começou a ser desenhada ainda em 2016, a partir do primeiro contato da associação com especialistas em acessibilidade. Três anos depois, a primeira edição do camping saiu do papel em formato de teste. Desde então, o evento não parou de crescer. “A gente quis desde o início evitar que a pessoa com deficiência fosse apenas espectadora. O objetivo era que ela pudesse de fato participar de tudo”, explica Feiten. E participar, no caso, é literal: as modalidades incluem rafting, arco e flecha, bocha adaptada, handbikes, trilhas e mais.

Hoje, Três Coroas não apenas organiza o evento, que passará a integrar o calendário oficial do Rio Grande do Sul, mas também começa a colher os frutos de um novo tipo de turismo. “As empresas de rafting estão se adaptando, criando acessos, pensando em inclusão. Isso se transforma em ganho para todo o município”, afirma Luís Tizian, presidente da APDAF. “É o turismo acessível criando consciência, movimento econômico e cidadania”.

A experiência já ultrapassa os limites do evento. Com equipamentos próprios, como triciclos e cadeiras adaptadas, a associação oferece atividades também fora das datas oficiais. “A gente trabalha para que as pessoas possam ter acesso a essas práticas em qualquer momento, e não só no evento”, diz Feiten.

Apesar dos avanços, os desafios seguem sendo muitos. “As barreiras são três: arquitetônica, atitudinal e financeira”, resume Gabriel. “A gente tenta quebrar todas. O evento é gratuito, promove acessibilidade e combate o preconceito. Mas ainda falta apoio público, políticas contínuas, investimentos estruturais”.

Para Luís, o maior legado do camping é simbólico.

“Mostra que Três Coroas pode, sim, ser uma cidade turística acessível. E mais do que isso: mostra para cada pessoa com deficiência que ela também pode. Quando uma menina amputada disse para a mãe, chorando, ‘viu como eu posso?’, isso ficou para sempre com a gente. É por isso que vale a pena”.